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Escola particular no Brasil X Escola pública em Portugal



Maio de 2017. Último dia de aula na escola da minha filha. Despedidas pra cá, chororô para lá, muitos bilhetinhos e juras das amigas queridas de anos. Não é fácil dar tchau para sempre. Para trás ficou aquela escola enorme em dimensões e em memórias do passado.

Na nossa cabeça martelavam mil dúvidas quanto ao futuro da nossa filha em Portugal. Será que na nova escola ela seria tão feliz como naquela onde viveu alguns anos marcantes de sua infância?

Quando escolhemos aquele colégio, muitos anos antes de cogitarmos morar em outro continente, o que nos motivava era o fato de ser um dos primeiros no ranking de aprovação no ENEM, o exame nacional que possibilita o ingresso do jovem na universidade.

Era uma escola forte, conteudista, que ensinava à criança uma rotina rígida de estudos, caligrafia, ortografia e redação. Uma escola com ótimos professores e avaliações surpresa que obrigariam a criança a ter o conteúdo sempre na ponta da língua. 

Logo no primeiro ano de ingresso de minha filha a escola foi vendida. Um grande conglomerado de comunicação que possuía outras escolas, cursos de inglês e editoras fez a aquisição. No início, nada mudou. 

Já no ano seguinte algo me causou enorme desconforto. Foi trocado todo o material didático e os novos livros eram da editora da nova holding. E era uma quantidade exagerada de livros. Empilhados chegavam a quase um metro! Daria tempo de ensinar todo aquele conteúdo para as crianças?

Os anos que se seguiram nos revelaram que interesses financeiros na educação trazem uma conta que fecha apenas para os donos das escolas.

Dez a vinte páginas de lição de casa para o dia seguinte,  turmas  conturbadas de 40 alunos, aulas de disciplinas “sérias” ocuparem o horário da aula de educação física (obrigando os pais a contratarem um esporte à parte no contraturno),  aulas de inglês se limitando a ensinar crianças de 10 anos o nome das cores (obrigando os pais a colocarem os filhos no curso de idiomas parceiro da escola, pagando mais uma mensalidade). Professores tentando conciliar um volume desproporcional de material didático para apenas um ano letivo.

Esta escola não era um caso isolado. Era um retrato das escolas particulares brasileiras. Escolas que foram compradas e tiveram modelos de gestão replicados para serem mais rentáveis. Escolas que buscavam exclusivamente boa colocação no ranking do ENEM como objetivo primordial. 

E o que resulta tamanha pressão por colocação no ranking com busca de lucros na educação? Resulta em crianças estafadas e pais iludidos achando que as crianças estão tendo ótima formação - como na experiência em que o sapo não percebe o calor gradual e morre cozido aos poucos.

Corta para junho de 2018 aqui em Portugal. Encerramento do ano letivo (o ano letivo no hemisfério Norte começa em setembro e termina em junho).  Um ano de muitos desafios e superações. Depois de todas as dificuldades de adaptação da minha filha escuto algo que me fez ter certeza da escolha de vir para cá e de tudo o que abrimos mão no Brasil. 

“Mamãe, eu adoro a escola daqui de Portugal e  mesmo tendo saudade da antiga, a prefiro muito mais que a do Brasil. Eu adoro ir para a escola. Tenho pena das minhas amigas da antiga escola, eles massacram as crianças lá."

Na verdade era perceptível a alegria da minha filha ao voltar da escola todos os dias. Ela chegava com uma energia, uma autoconfiança e uma alegria que não via no Brasil já há muitos anos!

Não é difícil entender porque a escola daqui oferece um ambiente tão oposto ao das escolas no Brasil.

A escola pública em Portugal faz uma magia na cabeça da criança. Mostra a ela que o que é bom não é exclusivo somente para aqueles que podem pagar. Escola boa é para todo mundo!

Não há uniformes ou exigências que façam as famílias gastarem tempo e dinheiro. É tudo simples, barato e prático. E mesmo sem uniformes as crianças não promovem desfiles de marcas no ambiente estudantil. Não há competição pelo melhor tênis, por quem vai esquiar no inverno, por roupas da Tyrol, por quem tem a mochila da nova coleção da Kipling, por quem já foi à Disney mais vezes. Não há meninas usando pancake no quarto ano para ir à escola, não tem criança de 10 anos falando de garotos e paqueras, não tem adolescência precoce. As produções são simples com muita roupa de supermercado ou magazines populares. As crianças são crianças até a idade que tem que ser. 

As aulas de música são tão importantes quanto as de educação física ou matemática. Tem prova, tem teoria, tem aula. O ensino não é focado só no ingresso na universidade, mas na formação do aluno enquanto pessoa. 

As escolas são geralmente próximas das moradas e as crianças tem a oportunidade de ir à pé e sozinhas, quando maiores. Não tem lição de independência e autonomia maior que essa. Não tem prazer maior para eles que terminar a aula e não terem que esperar a van ou ficarem trancados no engarrafamento até chegar em casa. 

O segundo e o terceiro idiomas tem quase o mesmo peso que a matemática e o português na grade escolar. E não é necessário colocar a criança em um curso de idiomas. O que deixa a agenda semanal da criança mais livre.

As turmas tem geralmente entre 20 e 30 alunos. O que significa que as aulas permitem trocas e soluções de dúvidas dos alunos, não meras explanações unilaterais da matéria para alunos boiando.

As dúvidas e dificuldades dos alunos não são problemas exclusivos dos pais e alunos. São da escola e são resolvidos nos apoios, que são aulas extras no contraturno e ajudam o aluno nas matérias estratégicas (português, matemática e idioma). Gratuitas, claro. 

Os livros tem um quarto do volume de conteúdo em relação aos livros da antiga escola da minha filha. Há menos conteúdo, mas ele é mais relevante. E como há menos matéria, as crianças aprendem melhor e se sentem mais encorajadas a estudar.

A matemática está ao menos dois anos adiantada em relação ao currículo das escolas de ponta do Brasil. As crianças do ensino secundário que escolhem a área de exatas, por exemplo, aprendem cálculo, uma matéria que no Brasil somente é aprendida no ensino superior. Isso ajuda bastante quem ingressa nas faculdades de engenharia por aqui. 

Há crianças de várias etnias e realidades sócio econômicas, inclusive de instituições sociais, o que conecta a criança com a realidade da vida. 

Para tentar resumir a maior diferença das duas realidades: o ensino de Portugal não abusa de seus alunos. Não esfola a criança. Não leva adolescentes ao esgotamento físico e mental durante o ano letivo. Não tem interesse em lucro no ensino nem no material didático, porque é público. Respeita o fato do aluno ser criança e entende que estudar não é o único aspecto de sua vida. Entretanto ensina melhor. Prepara o aluno para a universidade, mas também para a vida. Num ambiente mais saudável e menos competitivo. 

É muito fácil entender porque minha filha é tão feliz numa escola que não tem a metade da beleza e conforto que tinha sua escola no Brasil, que tem um banheiro por vezes sujo que às vezes não dá para usar e onde as funcionárias são quase sempre bravas e rigorosas com as crianças. 

É fácil entender, porque o que realmente importa, é bom. Estruturas importantes como bibliotecas e salas de aula são ótimas e o ensino, o que importa, é muito bom e não impõe pressão extra como nas escolas particulares no Brasil. 

Ensino de qualidade não pode ser produto exclusivo para quem pode pagar. Não pode ser interesse unilateral das famílias formarem seus filhos com qualidade, mas deve sim ser interesse nacional formar seus cidadãos com qualidade. Ensino tem que ser bom, universal e gratuito. É assim que um país cresce. E é maravilhoso ver seu filho inserido nesse contexto, mas sobretudo perceber que seu filho entende que faz parte desse processo coletivo. 

E até ele começa a enxergar que seus pais não estavam assim tão malucos de terem largado tudo para virem para Portugal. 

“Uma mente que se abre para uma nova idéia jamais retorna ao seu tamanho inicial"
Albert Eistein

Por Fernanda Geribello Anders




Comments

  1. Excelente artigo, Fernanda, um verdadeiro manual para educadores preocupados com o futuro da educação. Infelizmente as boas escolas no Brasil se tornaram verdadeiros bancos de investimentos e o ensino público cada vez mais sucateado. Ainda bem que Portugal, como você bem diz, mesmo depois de sucessivas crises econômicas, não abriu mão de priorizar a educação pública reconhecidamente de boa qualidade. Quem sabe um dia o Brasil aprenda algo com seus descobridores!

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  2. Excelente. Não dá para termos tudo que queremos em uma escola, sempre falta alguma coisa, mas o mais importante é tirar a carga e o massacre dos estudos dos ombros dos nossos filhos. Parabéns e obrigado.

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    1. Exatamente. Obrigada pelo comentário, Luis Cláudio!

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  3. Olá, Fernanda! Gostei muito do seu blog! Otimas informações!
    Mas, confesso ter q ficado assustada com os comentários do.poat sobre xenofobia portuguesa, no qual achei o seu link.
    Relatos de maus tratos e preconceito, inclusive nas escolas contra crianças, por conta da lingua.
    Alem disso, como penso em abrir um negócio, tenho q me preocupar com isso, pois tudo o que não poderei ter é boicote.
    Com essa invasão de imigrantes, como vc tem observado isso?

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    1. Oi Márcia, que bom que está curtindo o blog, muito obrigada pela atenção. Olha, essa leva (chamamos de vaga) nova de imigrantes brasileiros que tem vindo ultimamente tem um nível sócio econômico mais alto que os que vieram outrora. Essa última leva não tem sofrido muito preconceito, não. Essa é minha percepção. Pelo contrário. Temos sido extremamente bem recebidos e somos reconhecidos pela educação e alegria pelos portugueses! Boa sorte pra você!

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  4. Adorei o texto, parabéns! Aqui no Brasil já procurei sair dessa busca pela eficiência e coloquei minhas filhas numa escola Montessori. Na verdade estou com medo dessa adaptação ao ensino tradicional, porque pretendo me mudar para Portugal em dez de 2019. Mas seu texto me deixou bem mais tranquila! Obrigada por compartilhar.

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    1. Oi Lúcia, que bom que gostou! Eu particularmente acho que quando chega uma certa idade as crianças não serão tão prejudicadas se você mudar do Montessori para uma escola tradicional. Para os menores que o método Montessoriano faz uma diferença mais significativa. Boa sorte nos seus projetos! Depois leia os outros posts!😘

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  5. Adorei dua materia!!! Perfeita!!! Educaçao nunca poderia ser negocio. Somente um estado forte e consciente da importancia do desenvolvime to humano pleno pode escolher priorizar a educaçao. Isso nai temos no Brasil. Sou professora e tenho uma jornada de quase 12 anos de busca por uma escola assim para meus filhos. Ora por meio da escola privada, ora por da publica. Vejo que nem mesmo o inbestimento de grande quantidade de dinheiro em uma escola nos aproxima da educacao escolar que vcs tem em Portugal. Por isso a cada dia me entristeço mais com essa logica educacional no Brasil. Quero muito ir para Protugal, meu marido é filho de Portugues. Sei que bao serà simples, mas a cada dia esse desejo se fortalece e nosso planejamento vai se consolidando. Na regiao que vc mora é norteou sul? Sabe como é morar no sul? Pretendemos ir para uma regiao mais quente.

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    1. Oi Milene! É uma satisfação ver que um artigo esteja dando voz a tantas pessoas insatisfeitas com o ensino brasileiro. Você captou bem o cerne do problema. Eu moro em Lisboa, mas me mudo para Braga no ano que vem. Veja meu artigo "Um lugar ao sol" sobre isso. Se quiser conversar me mande um e-mail para fefaanders@gmail.com. Abraços e boa sorte!

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  6. Tudo muito "lindo". Um verdadeiro conto de fadas. Mas a outra parte não é comentada. Até parece que gente não é gente em qualquer lugar do mundo. Onde fica a discriminação? Não só na escola mas também no cotidiano? Onde fica a parte de que a mão de obra dos brazucas só é absorvida em atividades primárias e braçais? Onde fica a parte de que crianças andando sozinhas sempre serão alvo de violência? Onde fica a parte de que em geral só quem não deu certo em seu País é que "debanda" em busca de oportunidades? Onde fica a parte de que com o salário mínimo (600 euros) a vida é muito difícil? Onde fica a parte da vida como ela é? Onde fica?

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    1. Sobre violência contra crianças em zonas boas procurei me informar e é inexpressivo. Sobre os outros questionamentos não são tema deste artigo, que trata da educação. Mas de outros. Sugiro a leitura de "Tem emprego em Portugal?". Ele trata exatamente sobre esses pontos colocados por si. Estão neste blog.

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